sexta-feira, 14 de maio de 2010

O Pássaro e o Canto do Precipício


Antony Hegarty é um clown de maquiagem borrada e esquecido pela alegria, que tem na música sua forma de se expressar e encontrar seus semelhantes. Tão dormente que já não sente o calor do Sol. Então espera pelo entardecer e à luz da Lua e das estrelas faz sua oração: " Esperança, há alguém que vai cuidar de mim quando eu morrer, terei de ir. "


Entra no cabaré, senta-se em frente ao piano e acompanhado por sua banda encarna os recentimentos e traumas do passado, cantando para os desajustados, esquecidos e rejeitados por sua natureza humana. Assim percorre a noite, repleta de solitários rostos caídos nas extremidades do vento, que ganham vez através de sua interpretação e em seus asseclas Lou Reed, Boy George, Rufus Wainwright, Devendra Banhart, Candy Darling, Nico Muhly e Kazuo Ohno dentre outros, seja em suas canções ou do outro lado do espelho, nas artes que formam as ruas de seu mundo.

Na voz encontra algum sentido. No tão sublime e delicado som de sua música, que muitas vezes chega a ser tão intensa e profunda que enleva o espírito e faz o ouvinte viajar em braços que mesmo desconhecidos o confortam.

Almas perdidas, atrocidades, viagem durante um ataque epiléptico, medo da solidão mesmo após a morte... Preconceito, violência, homofobia e ignorância, ao invés de sepultar de vez com a última pá de cal, se transformam num escudo transparente e intransponível, pois a verdade não tem do que se esconder quando combatente da opressão e da intolerância.

E Anthony canta como se sua voz saísse de todas as partes do corpo e carregasse todos os sentimentos do mundo; belos, dolorosos... Horas num crescente denso, gospel, poético, sombrio, envolvente. E cresce em espasmos onde por momentos parece que soltará um gás cintilante da garganta que irá nos enolver e levar a uma viagem pessoal, imaginária, surreal para dentro de si mesmo e ao universo em expansão para sempre.

Mais um adeus, outra perda, um reencontro tardio numa madrugada fria. Um garoto à beira do precipício, pronto para nascer de novo. Ele sabe que se pular irá cair, e mesmo assim o faz, pois lá no fundo reside um fio de esperança, acreditando que em algum momento poderá voar.

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